Agrippina R. Manhattan, Alexandra Martins, Alla Soüb, Ana Matheus Abbade, Bento Ben Leite, Danna Lua Irigaray, Laura Fraiz, Luara Learth, Maria Eugênia Matricardi, Romulo Barros: Nenhum homem no mundo
curadoria de Yná Kabe Rodríguez
12/1—3/2/19




“No man in the world
No man in the world

The measure of any society is how it treats it's women and girls

No man is big enough for my arms

No man in the world
No man in the world
No man is big enough for my arms”


(Fragmento da música No man is big enough for my arms, lançada em 2017 no álbum Ash, da dupla francesa Ibeyi)


Quando tinha que responder questionários ou entrevistas sobre como é ser trans/travesti no Brasil, colocava-me em um dilema maior que as perguntas superficiais que normalmente entram em pauta quando a pesquisa é conduzida por uma pessoa cis; me pergunto “como posso resumir em poucas ou uma palavra” a minha experiência enquanto travesti, talvez em uma vontade de que aquela entrevista (anteriormente combinada) ou uma pergunta numa conversa casual. Por mais que ainda me questiono se é possível, enquanto travesti, resumir minhas vivências em um conciso adjetivo, tenho focado minha sede de resposta para um lado mais existencial da questão: “por quê?”. Assim como me propor

Quando Linn da Quebrada lançou Pajubá em 2017, foi impossível não gritar do fundo para fora. Com muita inteligência e performatividade, Linn e Jup do Bairro cantam experiências e reflexões sobre tais momentos (sendo eles descritos dentro de uma ótica micro ou macropolítica) com uma energia combativa. Algo que chamamos, na internet, de “hino”. O título do álbum não poderia sinalizar melhor o vocabulário de experiências e imaginários (reações, sentimentos, desejos) de grupos marginalizados e resistentes no país. Temos mais uma referência para carregar como munição, também como oralidade e corporeidade de pretas, travas, byxas, sapas, todes e etc.

Também em 2017 a dupla de irmãs Ibeyi lançou o álbum Ash, no qual uma música me chamou a atenção na primeira ouvida. “Nenhum homem é grande o suficiente para os meus braços” é composta por fragmentos do discurso de Michelle Obama em New Hampshire em outubro de 2016, no qual ela aponta para o comportamento de Donald Trump e seu tratamento com as mulheres. Para além das diversas imagens que a frase “nenhum homem é grande o suficiente para os meus braços”, a constante repetição de “nenhum homem no mundo” me instigaram a imaginar exatamente o que a frase diz: nenhum homem no mundo. As constantes tocadas fizeram não só que Pajubá e Ash se tornassem os álbuns mais escutados de 2017 e 2018, mas também que algumas questões percorressem um grande espaço de tempo até o momento do convite para integrar o ciclo Olho Selvagem organizado por Mariana Destro no deCurators. deCu pres intimes.

Quais e como seriam os processos de IMAGINAR “nenhum homem no mundo”, na ordem da frase onde se evoca uma evacuação ou proibição ao invés de pensar “um mundo de nenhum homem”? Sendo a primeira um processo de exclusão e a segunda de criação fantasiosa onde imaginamos um mundo sem a “necessidade de”, assim, sem um conceito de falta. A enorme diferença e minha maior vontade em perseguir essa questão por mais de um ano é o momento em que pensar sobre “nenhum homem no mundo” promove um pensamento para a ação. Não me aproximo aqui apenas numa ideia de manifestação, mas há processos de criação de mundos. Precisava, então, entender para além de uma catalogação de pensamentos sobre novos mundos, e encontrar no fazer, nas coisas feitas, as possibilidades de agir. A tátil revolução de se fazer o que se quer e o decepcionante embate com as questões de quais corpos podem fazer o quê.

É importante para mim pensar como temos que resolver problemas diariamente, e para além da imaginação, para além dos problemas de imagem (apontando aqui o embate que poder criar novas redes de apoio e troca pela internet esbarram com os problemas que as redes sociais exaltam). Precisei retornar para uma ideia de artesania ou artesanal, uma ideia muito simbólica aos meus aglomerados de mulheridades. Foi necessário confundir, separar e, em algum momento, abandonar os questionamentos sobre feminilidade/feminismo. Foi necessário aprender a fazer olhando pela primeira vez trabalhos e propostas com os olhos de quem urge soluções. Assim, sendo testemunha de ações que movem as possibilidades de existir e criar. De sucumbir, derivar, debater, desejar e expor.

Sem a necessidade de vincular tantas questões a uma ideia de grupo ou movimento, mesmo que seja necessário falar cada vez mais sobre feminismos e mulheridades, foram registros e talvez documentos de que já existem outras formas de existir. Existem formas de combater a transfobia, existem diversas maneiras de se portar de forma não-racista, existem ações efetivas para combater o feminicídio. Previamente a qualquer proposta para esta exposição, é necessário ver que ações e posturas estão sendo tomadas tanto como manifestações quanto como indicativos de que já existimos dentro de nossas próprias construções, talvez sem conseguirmos nos desvincular totalmente das normas que “indicam/aprisionam” a(s) ideia(s) de quem somos. Podemos pensar pela lógica que busca solucionar e inventar outras possibilidades para acabar com a violência patriarcal. Assim como podemos e devemos continuar também levantando questões (FALAR) que indiquem o caminho do pensamento para a ação, para o clássico “mão na massa”. Em momentos de violências extremas, que cada vez mais vivenciamos no Brasil, podemos começar agir-pensando.

Yná Kabe Rodríguez