Bento Ben Leite: Frank
curadoria de Mariana Destro
16/2—8/3/19
Era 2005. Para quem hoje está com vinte e tantos anos, era o momento de primeiros: primeiros afetos, primeiras vontades, primeiras experiências. Bento Ben Leite guarda o diário que escreveu aos 15. Nas páginas sem espaços vazios do caderno azul, o relato sobre a primeira vez que foi para a boate Noise 3D, inferninho indie no centro de Fortaleza.
“Então eu nem contei que EU FUI PRO NOISE! Menina, foi tão bom. Fiquei tão feliz de minha mãe ter deixado. Deixou com a cara do tamanho do mundo, mas deixou. Só essa vez nas férias. O Luciano B. tava lá, lindo, as always. Pense que dancei MUITO, me acabei lá. Finalmente um lugar consegue fazer isso comigo.”
Há no trabalho de Bento Ben Leite o desejo de elaborar as memórias da adolescência. Para isso, o artista apresenta em imagens questões pertinentes à violência e ao amor. Torna-se inevitável se deixar envolver pela instalação construída em Frank. Além da tormenta, o êxtase. Na Noise 3D, a música e a bebida embalavam uma festiva resistência queer1 – sendo a música, aliás, aqui digna de nota. Em cada dia documentado no diário de Bento, há a música que ele estava ouvindo no momento. Durante a pesquisa poética e pictórica do projeto, o artista fez uma playlist com músicas que o fazem lembrar das noites na boate. Playlist, pintura, não há um limite claro.
As memórias de adolescência que Bento Ben Leite compartilha em Frank evocam nossas próprias memórias não compartilhadas, subjetivas. Mesmo durante a exposição surge uma memória compartilhada por nós que ali estamos: a música que ouvimos é a playlist de Bento, o bar está dentro da galeria, posicionado ao lado das telas, e as próprias telas, por sua vez, estão dispostas na parede conforme os esboços no sketchbook do artista, sugerindo um ambiente instalativo do qual as telas tanto fazem parte quanto são o coração.
Bento Ben Leite ousa suscitar lembranças de uma época de incertezas e amadurecimento2 e o faz porque ele mesmo permanece em busca de algo. Talvez seja uma busca sentimental, e a nós, certamente, só cabe sentir. Afinal, ao som de Frank3, podemos sentir que por esta noite tudo é nosso.
Mariana Destro
1 Queer, além de se referir a um termo derrogatório usado historicamente como ferramenta de opressão, mas reivindicado com orgulho por pessoas LGBTQ+, pode se referir a algo excêntrico, diferente, estranho ou não mainstream.
2 Em estudos de narrativa, uma história de amadurecimento (bildungsroman) pertence a um gênero literário focado no crescimento da personagem, da juventude à idade adulta, em que a mudança de caráter é importante. Protagonistas de histórias de amadurecimento são em maioria homens.
3 Frank é o primeiro álbum de Amy Winehouse, lançado em 2003 pela Island Records.